Viva e deixe viver...

Viver é como estar constantemente no "país das maravilhas", por isso estou sempre no limite da razão, porque a vida é bela, insana e incerta, e como diria um cantor: " depende de como você a vê..."

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Geração Prozac

Geração Prozac é um desses filmes muito interessante e altamente recomendável. Baseado num best - seller americano "Prozac Nation" da escritora Elizabeth Wurtzel, ele conta a história de uma "crise depressiva" da personagem/autora do livro.
O filme é narrado em primeira pessoa, pela própria personagem, apresentando seu universo, tal como ela o sente.
Elizabeth, ou "Lizzie", é uma escritora, que está indo para a Universidade de Havard. No decorrer do filme, nos é apresentado alguns traços da vida de Lizzie e de sua personalidade, que nos ajudam a entender seu mundo, tais como: ela tem uma relação conflituosa com a mãe, que, diga-se de passagem, quer consertar os erros através da filha. Essa relação conflituosa decorre da relação conturbada mãe - pai. Dado interessante: o pai as abandonou e a mãe sentia ciúme da filha.
Lizzie tem uma relação condescedente com o pai, ainda que este o tenha abandonado quando pequena e que raramente a procurasse, no instante que ele o faz, toda a dor dela desaparece, porque naquele momento só o que importa é o pai.
Na universidade ela começa a usar drogas recorrentemente e tem uma vida sexual um pouco promiscua, para os padrões da época.
Lizzie é uma escritora, uma excelente escritora, ela ganha um prêmio na universidade por um artigo, sendo inclusive convidada para escrever para uma revista de renome.
Um dado interessante sobre sua capacidade de escrever, é o porque dela escrever. Quando ela escreve, ela o faz com a intenção de escapar dos demônios em sua cabeça. Numa cena muito intrigante, aliás, bélissima atuação de Christina Ricci, Lizzie tem uma crise violenta de depressão, em que ela passa dias sem dormir, simplesmente porque nada que ela escreve parece bom o suficiente, e ela tenta desesperadamente voltar a perfeição de sua escrita, porque só a sua escrita pode salvá-la, um amigo a tenta ajudar, fazê-la voltar a razão, mas ela surta, então ele a leva a um consultório psiquiatrico.
Nesse momento, o telespectador passa a compreender o processo de Lizzie, para ela o mundo parece se desprender, como uma imagem desfocada e sem som. Quando ela esta exausta, quando o mundo a oprimi, ela quer contar para o mundo como se sente, mas ela não consegue escrever, e as pessoas não a entendem, e isso só faz piorar a sua loucura interior.
Durante a terapia, ela fala sobre a sua necessidade de escrever, sobre o fato de que ninguem a entende, simplesmente porque ninguem saber como é ser ela. Em palavras da personagem "a maioria das pessoas se cortam, colocam um curativo e seguem em frente, eu continuo sangrando", para ela "gradualmente e de repente" é como a depressão chega.
A psiquiatra que a atende, passa pra ela o Prozac, daí o nome do filme, um remédio que a deixa confortável, mas a torna alguém que ela não é. O remédio serve para controlar a depressão quimica que causa um transtorno de humor, aliviando suas "crises depressivas".
Digo, "crise depressiva" assim mesmo com aspas e tudo, porque muito embora o filme traga o diagnóstico de Lizzie como um Transtorno de Humor, no decorrer do filme é possível pensar nesse diagnóstico de forma diferenciada, como talvez um Transtorno de Personalidade Borderline.
Explico, de forma bem simplória, o Borderline é uma psicopatologia de fronteira, ele está no limiar, entre a Psicose e a Neurose, é, portanto, um transtorno de limite que tem como caracteristicas: o medo de ser abandonado, seja ele real ou imaginário, uma necessidade constante de não estar sozinha, problemas de auto - imagem e de afetividade, volatilidade de humor muito peculiar, cujas oscilações vão do nada ao tudo em poucos minutos.
No fílme é comum ver essas oscilações de humor vindas de Lizzie, seja na sua relação com a mãe, em que durante uma briga ela externa sua raiva de forma intensa e uma angústia sem limite de forma extremamente bipolar, culpando a mãe num segundo e implorando seu perdão no segundo seguinte.
Suas relações são extremas, não só com as pessoas, mas com o mundo que a cerca, para Lizzie a culpa e/ou salvação de seus problemas está sempre no outro, é o outro quem dá o contorno de si mesma.
Isso é bem visivel no filme, seja na relação com a mãe, que por mais conturbada possivel, é para ela que Lizzie sempre pode voltar, ou na relação doentia com o namorado, o qual se torna seu objeto de investimento, aliás, característica marcante do Border, ele investe de tal maneira no objeto que este não pode falhar.
Lizzie ama demais, sofre demais, tem baixa tolerância a frustração, não tem limite. Seus feitos são sempre extremos, mas seus erros são catastróficos, tem ambivalência em demasia:
ela agride, ela se sente culpada, ela quer e ao mesmo tempo não quer. Sua depressão é reativa, não de tristeza, mas de raiva, ela é hostil com as pessoas, pois essa hostilidade é a forma que ela encontrou de encarar a vida.
Ela tem dificuldade de se perceber, ela não consegue se ver como um ser pertencente, não se sente comum, normal, há um distanciamento da realidade objetiva e concreta. Além disso, ela oscila muito entre ser super e nada.
Lizzie sente um medo desmedido de rejeição, então ela mantém as pessoas afastadas dela e ao mesmo tempo ela não pode ficar sozinha, então ela investe, investe e investe na pessoa, pra que não importa o que ela faça, ela seja sempre compreendida, porque ela precisa desesperadamente do outro.
Há uma cena que acho particularmente brilhante, não tanto pela cena, mas pela frase dita por uma amiga de Lizzie, e por tudo que essa frase significa, todo o peso que ela carrega, aquela coisa de verdades não ditas, sabe?!
Na cena em questão, elas estão num café, e a amiga tenta conversar, tornar o clima mais leve, Lizzie no auge da sua arrogância ou de seu surto, começa a ridicularizar a amiga, dizendo que ela não pode entender porque ela não sabe sentir como ela, a amiga cansada da humilhação acumulada por um longo tempo, apenas diz: "Deve doer ser você!"
Lizzie retorna a terapia e sua recuperação é lenta e da mesma forma que ela desmoronou, ela retorna "gradualmente e de repente".
Filme na categoria: J'adore!

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